sábado, 26 de septiembre de 2009



O
18 de Julho de 1936 segue sendo uma data chave e, por conseguinte desencadeante. A folha do calendário que marcava o dia, o mês e o ano, foi despreendida, mas o acontecimento que moldurava continua vivo, porque foi transcendente, saltando a fronteira temporal de um moment fugitivo. Iniciava-se o “Alzamiento” militar na Espanha. Tinha um respaldo civil importante. Respondia a uma exigência biológica nacional. Contava com uma doutrina e um programa político entranhado na História e com prejeção de futuro. Não foi um pronunciamento castrense ao estilo século XIX, nem uma luta entre facções que aspiravam a conquista do poder. Não foi uma guerra civil quimicamente pura. Foi o projeto beligerante e castrense de um combate ideológico no qual se debatia o substancial, no qual ser tornou necessário e urgente, como havia dito José Antônio Primo de Rivera, dar a existência para salvar a essência. Por isso a disputa espanhola ficou “ab initio” desenfreada. Desenfreada, porque adquiriu dimensões universais; e não só pela presença em uma e outra frente de voluntários não espanhóis, senão porque em cada nação do planeta o enfrentamento se produziu à nível de simpatia e até de ajuda a um ou ao outro grupo em questão. Desenfreada, porque os valores em jogo, os que haviam informado a Cristandade, como manifestação política do Cristianismo, elevaram a luta à categoria de Cruzada, como a Igreja a qualificou reiteradamente.
Fé e Pátria, Altar e Família, foram, em síntese, as idéias que mobilizaram uma das melhores gerações espanholas de todos os tempos a empunhar as armas ou a morrer, sem uma queixa, vitimada em parte pelos inimigos, nas imediações dos cemitérios, nos porões dos navios de carga, nas desembarcações dos portos, no rocondito das minas, na beira dos caminhos. Esses ideais tornaram possível manter nossas constantes históricas, como a resistência de Numancia e Sagunto, renovadas no Santuário da Virgen de la Cabeza e no Alcazar de Toledo, o a do patriotismo sacrificado que espreita a voz e o instinto do sangue, como o de Guzmán o Bom, atualizado pelo Coronel Moscardó. Com essa armadura espiritual se explicam os heróis e os mártires, e os processos de beatificação e canonização das Carmelitas de Guadalajara e os Passionistas de Daimiel, entre tantos outros. E a eles seguem e seguirão os milhares que aguardam ainda a pública e solene proclamação oficial de suas virtudes exemplares.
O Estado que começou a construir-se a partir do “Alzamiento”, que foi gestando-se na tensão guerreira da Cruzada e que se aperfeiçoou em decorrência da vitória de 1º de Abril de 1939, quis inspirar seu ordenamento jurídico no Evangelho, e transformar a vontade do espanhol de tal maneira, que esquecera aquela frase decadente e pessimista de Cánovas del Castillo, “espanhol é o que não pode ser outra coisa”, e assimilar até a medula a de José Antônio Primo de Rivera: “ser espanhol é uma das poucas coisas sérias que se pode ser no mundo. Uma e outra frase simbolizam a geração resignada e chorona de 1898 – por muitos que fossem seus méritos literários – e a geração otimista e empreendedora de 1936.
Espanha surgiu da miséria material e moral. O país foi reconstruído e “mudou de pele”. A revolução industrial se fez com êxito, não obstante seu atraso e o cerco exterior, injusto e imposto pelo triunfo aliado e sua debilidade ante a pressão comunista. Os espanhóis se reconciliaram e um largo período de paz interior, pouco corrente em nossa História, surpreendia a um mundo que olhava com assombro – amor, inveja, ódio – a força operativa de uma Espanha que havia reencontrado a si mesma. Não quero comparar essa Espanha com a Espanha de hoje. A análise de uma mudança profunda para pior, como a que agora está se produzindo, e que incide por sua gravidade na subsistência da Espanha como ser coletivo, o estudo das causas que tem conduzido a esta mudança e a contemplação dos grupos e forças – não só políticas – que a respaldaram e respaldam, exigiria um trabalho mais extenso que não passa, sem embargo, o terreno do esquecimento.
A Cruzada espanhola, a última cruzada, está ai – em que pese a manipulação intencionada – como um ponto de reflexão intelectual, mas também como uma bandeira alçada ou uma convocação viril para os homens que não querem converter-se em marionetes ou para as pátrias que se negam a converter-se em colônias.

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